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O Código de Defesa do Consumidor (CDC), promulgado em 1990, traz em seu bojo uma série de princípios e direitos protecionistas, a fim de resguardar a parte hipossuficiente da relação (o consumidor) contra eventuais práticas abusivas de fornecedores.
O impacto social no cotidiano das pessoas foi notável, na medida em que se criou uma rede de proteção aos consumidores até então inédita. Tais princípios e direitos vigem até hoje nas relações comerciais, e estão cada vez mais incorporados nas práticas comerciais de consumidores e fornecedores, seja qual for a modalidade da venda.
Nesse sentido, o desenvolvimento de novas tecnologias há anos vem acentuando as vendas de produtos e serviços no ambiente online, o e-commerce, e tal modalidade de venda à distância ganhou ainda mais relevância em razão do isolamento social decorrente da Pandemia.
A proliferação de vendas online foi acompanhada do aumento de conflitos envolvendo consumidores e fornecedores decorrentes desta modalidade de venda. Dentre tais conflitos, o direito de arrependimento do consumidor (ou abuso de tal direito) se destaca.
A questão não é nova, e o direito ao arrependimento está previsto no CDC no art. 49 para vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, como a venda online. Em ambiente online, o direito de arrependimento é objeto de regulamentação específica desde a edição do decreto n.º 7.962/2013, que regulamenta os direitos de informação, atendimento facilitado e arrependimento dos consumidores no comércio eletrônico.
A razão de existir de tal dispositivo legal é a presunção de que a contratação de produto ou serviços fora do estabelecimento comercial é uma modalidade mais agressiva de venda, na qual o consumidor não teve contato prévio com o produto e, por isso, presume-se que não pôde avaliar suas reais características e acessar todas as informações relativas a ele, a fim de aferir a sua real intenção de adquiri-lo.
Embora seja razoável a instituição do direito de arrependimento dentro do prazo de 7 dias para vendas em ambiente digital, nota-se que, infelizmente, alguns consumidores – às vezes por má-fé, às vezes por desídia – tentam abusar de tal direito, ao exercerem o distrato em razão do arrependimento dentro do prazo, porém, após terem usado os produtos ou serviços.
Um bom exemplo disso é o consumidor que adquire um curso de ensino à distância, assiste ao curso e, após usufruir do curso, e dentro do prazo de 7 dias para exercício do arrependimento, pede o cancelamento do serviço e a devolução do dinheiro pago. Ou de consumidor que adquire um e-book, lê e, após, pede a devolução do dinheiro dentro do prazo.
Diante dessas hipóteses, o fornecedor estaria diante de uma situação peculiar, pois milita contra ele a presunção de hipossuficiência do consumidor, bem como a presunção de que este não teria recebido informações adequadas quanto aos serviços e produtos no ato da contratação, embora ele tenha meios de aferir que o consumidor usufruiu do produto ou serviço.
Assim, como forma de mitigar tais possibilidade de reclamações, cabe aos fornecedores se cercarem das cautelas necessárias que, no mais das vezes, é oferecer adequadamente as informações completas sobre o produto ou serviço utilizado, destacando não apenas as qualidades dos produtos, como, também, quais condições e meios disponibilizados para o exercício do arrependimento.
Por exemplo, pode o fornecedor de curso à distância fazer constar nas regras do site ou da aquisição de seus cursos que aqueles consumidores que assistirem a mais de 30% do curso não terão direito de arrependimento, tendo em vista terem fruído de grande parte do produto vendido. Evidentemente, por ser uma cláusula que limita direitos, ela deverá estar em destaque e cumprir toda a legislação aplicável.
Há, ainda, outras cláusulas de contratação que podem ser inseridas a depender do tipo de produto ou serviço, de forma a regular o exercício do arrependimento, sendo pertinente observar que todas as informações deverão ser transmitidas de forma clara e facilmente compreensível, inclusive em prestígio ao direito à informação previsto no CDC.
Tais medidas por parte de fornecedores não impedirão que consumidores insatisfeitos tentem de má-fé utilizar-se do direito de arrependimento, mas, ao menos, podem elidir a presunção de que eles não teriam sido adequadamente informados sobre as características dos produtos e serviços, e condições e meios para exercício do direito de arrependimento, relegando ao Juiz do caso (ou órgão onde foi feita a reclamação do consumidor) aferir se há abuso de direito por parte do consumidor, à luz das informações prestadas no momento da contratação da compra em ambiente digital.