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Em agosto de 2020, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei 14.046/2020 (anteriormente Medida Provisória n.º 948/2020) a qual regulamenta o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão da pandemia de COVID-19.
Considerando a hipótese de adiamento ou cancelamento de serviços, reservas e eventos dos referidos setores, o artigo 2º da lei prevê que o prestador de serviços/sociedade empresária não será obrigado a reembolsar o valor pago pelo consumidor, desde que assegure (i) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou (ii) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos.
Com respaldo nesta lei, diversas empresas já passaram a negar aos consumidores a restituição dos valores após o cancelamento dos serviços, disponibilizando apenas a opção de remarcar o serviço ou utilizar o crédito para outros serviços vinculados à empresa.
No entanto, em julgamento recente de recurso de apelação, a 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que determinou a restituição integral do valor pago pelo consumidor, afastando a tese da empresa que se sustentava na lei em comento.
No caso em questão, antes do início da pandemia os consumidores formalizaram reserva em cruzeiro marítimo no período de 14/04/2020 a 13/05/2020. Todavia, a viagem foi cancelada pela empresa, e a alternativa oferecida foi a emissão de carta de crédito para remarcação da viagem até dezembro de 2021.
Em primeiro grau, a magistrada questionou se a Medida Provisória 948/2020 (convertida na Lei 14.046/2020) poderia contrariar o Código de Defesa do Consumidor e ser aplicada aos contratos firmados antes da pandemia e edição das referidas normas.
O entendimento foi no sentido de que a aplicação da Medida Provisória deveria considerar cada caso particular, e, naquele, haveria ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. Com isso, a Medida Provisória só poderia ser aplicada aos contratos firmados após sua edição, e como os consumidores adquiriram a viagem em março de 2019, a empresa deveria restituir integralmente os valores.
O recurso de apelação da empresa foi desprovido pela 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, restando mantida a condenação da empresa à restituição dos valores pagos pelos consumidores.
“Não se perca de vista que a relação das partes é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. Se por um lado o advento da Medida Provisória 948 e da Lei Federal 14.046 pretendiam resguardar a saúde econômica das empresas , garantindo o emprego dos trabalhadores, não é possível relegar a segundo plano o direito dos consumidores, hipossuficientes, expostos a preceito infraconstitucional que reduzem o que consagrado inclusive pela Carta Magna. A julgadora de origem reconheceu que o negócio jurídico foi firmado em momento pretérito ao advento da medida provisória. Ainda que desconsiderada a premissa, ao se pontuar que a prestação dos serviços seria efetivamente oferecida depois de instaurada a crise sanitária mundial pela pandemia da Covid-19, há de se ressaltar que o texto da medida provisória foi modificado quando convertida em lei. Patente que os direitos dos consumidores foram ainda mais cerceados pela redação da Lei 14.046. Isto porque a MP possibilitava o ressarcimento dos valores pagos.” (TJSP; Apelação Cível 1004472-96.2020.8.26.0011; Rel. Tavares de Almeida; 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI – Pinheiros – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/02/2021; Data de Registro: 10/02/2021)
Trata-se de entendimento bastante favorável aos consumidores contratantes de serviços cujos contratos foram firmados antes da pandemia, pois neste caso, a restituição deveria ser feita. A partir deste entendimento, caso o contrato tenha sido firmado após a pandemia, aplicam-se os dispositivos da Lei 14.046/2020 e o consumidor não pode exigir a restituição.
A decisão busca preservar o princípio da irretroatividade das leis, ao mesmo tempo em que reconhece a importância da revisão contratual diante da crise instaurada pela pandemia de coronavírus, mas também de preservar os direitos dos consumidores.