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Por: Guilherme Sartori Testa da equipe de Imobiliário e Agrário CTA_
Há algumas semanas, um executivo muito experiente, meu cliente, me atravessou com uma amarga constatação: “seus colegas advogados devem entender que litigar não adiciona nada ao mundo, só retira”. A afirmação, lançada por trás de uma grossa fumaça de charuto vinda de um cidadão que nunca leu qualquer lei, me deixou extremamente puto. Saí do nosso encontro espumando, mas reflexivo… Infelizmente havia muita verdade na afirmativa dele.
Tendemos a propalar o bacharelado em direito como se fosse um certificado de especialização na solução de conflitos. Afinal, saber reduzir os problemas de nossos clientes a algumas folhas de papel divididas em “fato, mérito e pedido” é colocar a alquimia da solução de litígios em ação. É por esse caminho que trabalhamos para definir a coisa em disputa e destinar o direito a seu legítimo titular. Saímos de inicial, resposta, réplica, saneador e sentença sempre com a intenção de reduzir o objeto disputado apenas ao essencial, para que Vossa Excelência, ao final, dê a cada um o que é seu.
Todas essas habilidades aliadas a algumas horas no sofá assistindo Trato Feito, Boston Legal e Suits formam um negociador habilidoso, capaz de administrar crises e negociar de processos a acordos internacionais de paz.
Na verdade, não.
É certo que “negociar” e “litigar” não são a mesma coisa e talvez tenha sido esse o recado do meu cliente… Quando disputamos judicialmente, opomos a vontade do nosso patrocinado ao direto da outra parte já que, no resultado da disputa, inevitavelmente um perde e o outro ganha.
Ocorre que os advogados erram – e aqui dou razão ao meu cliente – pois tendem a adotar a mesma lógica do ‘litigar’ na hora de negociar; ao tentar compor um entendimento com a outra parte quase sempre usamos o Direito como premissa e nos confundimos ao colocar os “pedidos” no centro da negociação, esquecendo que estes nem sempre correspondem ao verdadeiro interesse das partes.
Agindo assim, raciocinamos o interesse das partes como opostos e conduzimos a disputa rumo a um único desfecho possível, em que uma parte perde e a outra ganha, numa dinâmica excludente em que uma delas sairá necessariamente prejudicada.
Diferente do litígio judicial, que se resume à fórmula “ganha-perde”, a negociação deve ser abordada pela fórmula do “ganha-ganha”. Negociar com premissas litigiosas nunca nos ajudou a gerar valor – não “adiciona nada” ao mundo, como bem assinalou meu cliente.
O objetivo deste artigo é, por isso, (i) mostrar como o formato do processo judicial enviesa o pensamento dos advogados e nos torna piores negociadores; e (ii) dar algumas dicas em como ser mais eficiente na composição de interesses, conduzindo entendimentos com clientes, adversários e parceiros para um desfecho que maximize o valor gerado para todos os envolvidos.
Para abordar o tema, passarei rapidamente por alguns conceitos básicos da ‘Negociação’ como campo de estudo.
Alguns Conceitos sobre Negociação: Posição, interesses, disputa e cooperação
Para entender um processo de negociação em sua plenitude, devemos primeiro vencer o mito de que não há teoria sobre negociação ou que ela não pode ser aprendida ou ensinada.
Mais do que um ciclo de proposta e contraproposta, negociar é resultado direto da natureza humana e por isso negociamos no nosso dia a dia de forma absolutamente instintiva. Não que Aristóteles tivesse previsto a negociação de dois motoristas que disputam furiosamente um espaço no trânsito, barganhando as chances de colisão em troca do espaço, conforme enfiam mais e mais seus carros em direção do outro negociador – mas há muito tempo esse filósofo disse que o homem é um animal político e que procura a polis (aldeias, cidades, etc.) como a verdadeira arena onde faz escolhas que influenciam seu meio e se relaciona com outras pessoas na busca da virtude. Ali Aristóteles já enxergava que a relação entre humanos demanda decisões, e que os homens optam por compatibilizar seus interesses individuais aos coletivos em prol da convivência.
Adam Smith, em uma de suas várias obras, entende que essa característica identificada por Aristóteles, de barganharmos nossos interesses individuais com terceiros, para gerar ganhos mútuos, foi ‘O’ fator determinante para o crescimento da riqueza das nações:
“O homem tem quase o tempo todo necessidade do auxílio de seus semelhantes e seria em vão que o esperaria unicamente de sua bondade. Teria muito mais certeza de consegui-lo caso se dirigisse ao interesse pessoal deles. É o que faz aquele que propõe um negócio qualquer a outro; o sentido de sua proposta é o seguinte: Dai-me o que preciso e tereis de mim aquilo de que vós mesmos necessitais; e a maioria dos bens e ofícios que nos são tão necessários são obtidos dessa maneira.”[1]
Por último, e para chegarmos finalmente nos conceitos fundamentais para esse artigo, entenderemos a negociação como “um processo de interação potencialmente oportunista, pelo qual duas ou mais partes com algum conflito aparente, buscam fazer o melhor através de ações decididas conjuntamente ao invés do que poderia ser feito de outras maneiras”[2].
Essa ultima definição diz bastante sobre a minha interpretação da fala do meu cliente: para que uma negociação gere valor para todos os envolvidos, e não apenas distribua dinheiro e obrigações, é necessária a efetiva cooperação entre as partes que, num contexto cooperativo, buscam entender os interesses uma da outra para chegar à melhor solução para o conflito. Adam Smith já disse tudo séculos antes, ali no Dai-me o que preciso e tereis de mim aquilo de que vós mesmos necessitais.
É exatamente esse o espírito!
A par de infinitas definições, escolho sempre repetir essa: “Negociação é basicamente um processo de comunicação no qual duas ou mais pessoas buscam avançar em seus interesses individuais através de ação conjunta”[3] – um belo conceito que, pare para pensar, abrange dos litígios que você negociou em nome dos clientes até o desconto no caldo de cana que você tomou ontem na feira.
Resolver conflitos por meio da negociação, portanto, requer que deixemos de lado asposições das partes (autor, réu, credor, devedor…) e enxerguemos seus interesses, que muitas vezes nem conflitantes são. Evidente que um credor espera do devedor um dinheiro ou o cumprimento de uma obrigação, mas as partes podem, por exemplo, conjuntamente descobrir que ao invés da soma em dinheiro requerida na ação judicial, o credor aceita uma permuta por bens que nem imaginava que o devedor possuísse e está disposto a negociar – o que só veio a ser descoberto em razão de uma boa comunicação e cooperação, após a propositura da ação.
É possível compor entendimentos entre as partes, desde que elas estejam dispostas a negociar e que entendamos que seus interesses vão muito além da soma em dinheiro (ou da obrigação) exigida na ação.
Processo como solução de disputas: por que ele nos prejudica?
A afirmativa pode soar bizarra, mas é real: um processo judicial atrapalha a melhor resolução de um litígio.
O processo como solução de disputas confunde as partes na hora da negociação pois nos força a abordar a defesa do interesse das partes à fórmula “ganha-perde”, o ”procedente” e ”improcedente” já previstos na legislação processual.
No curso do processo judicial pedimos a distribuição de algo que já existe (um valor monetário ou uma obrigação) o que inevitalmente alimenta nosso vício, forjado em anos de estudo universitário, cursos de pós graduação e muita atuação em juízo, de receber os problemas do mundo e analisá-los sob essa mesma ótica: a do ganha-perde.
Esse pensamento enviesado, o vício de enxergar somente a coisa litigiosa ao invés de abrir a cabeça para outras soluções, foi batizado pelos economistas que estudam o processo de negociação como “mito do bolo fixo”. Vamos falar sobre ele.
O mito do bolo fixo
O “mito do bolo fixo” é a crença imposta pelo senso comum de que o outro está interessado exatamente na mesma coisa que nós: se um comerciante propõe uma ação judicial para cobrar o pagamento em dinheiro, decorrente da venda de um determinado produto, seu interesse é o dinheiro. Por isso, o comerciante (credor) e seu advogado supõem que o interesse do devedor seja, também, o dinheiro (que ele se recusa a entregar, daí a ação judicial).
Este é o pensamento que o excessivo uso do processo causa; ele nos faz, enquanto advogados, resumir a disputa à fórmula do ganha-perde: trabalho para que meu cliente ganhe esta quantia em dinheiro que ele pleiteia (“ganha”), através do adimplemento da obrigação devida pelo devedor (“perde”).
Vou abusar das citações e transcrever aqui um ótimo resumo sobre o mito do bolo fixo:
“O ‘mito do bolo fixo’ consiste em considerar os interesses das duas partes em conflito como directamente opostos, isto é, ‘your win is my loss’ (Pruitt e Carnevale, 1993, p.85). Este pressuposto (também denominado “soma nula” ou “ganhador perdedor”) faz com que a resolução de problemas pareça inviável, encorajando o comportamento contencioso, a adopção de posicionamentos rígidos, ou o abandono prematuro do processo negocial”[4].
O “mito do bolo fixo” está relacionado a um falso consenso: as pessoas tendem a acreditar que os outros têm visões ou prioridades semelhantes às suas próprias e, por isso, subestimam sua capacidade de entrar em consenso.
Em contrapartida, quando identificamos com precisão os interesses do cliente e da outra parte, geralmente conseguimos resultados conjuntos, benefícios individuais mais elevados e geração de valor para ambas as partes. Na prática, pense no exemplo anterior: suponhamos que meu cliente (credor, que cobra a soma em dinheiro) seja um comerciante especializado em papel e materiais gráficos; e que seu devedor seja uma agência de publicidade. A disputa entre eles se dá em torno de um contrato de fornecimento de papel, que foi entregue, mas a contraprestação em dinheiro não foi adimplida.
A agência não tem condições de entregar a quantia total em dinheiro, mas quer pagar a dívida e tem interesse em ter o comerciante como seu cliente. Por sua vez, meu cliente tem interesse em investir na consolidação da marca de seu negócio – esse cenário pode facilmente levá-los a compor um entendimento que gere valor para ambos: a agência pode pagar sua dívida parte em dinheiro e parte em serviço, por exemplo.
Neste caso, superamos o modelo litigioso e alcançamos a negociação: não houve ganhador e perdedor; houve dois ganhadores. Meu cliente obteve o pagamento da dívida e a divulgação de sua marca (gerando ainda mais valor do que teria se apenas recebesse a quantia em dinheiro, pois a publicidade potencializa suas vendas) e o devedor adimpliu sua obrigação e ganhou um cliente.
Além dos benefícios particulares das partes, alcançamos um ganho social: quando as partes compõem entendimento, o Judiciário é desafogado e a prestação jurisdicional se resume aos casos em que realmente não há interesse das partes para além da disputa.
O “mito do bolo fixo” constitui um obstáculo à criatividade e imaginação e é preciso encontrar soluções integrativas que contemplem todas as partes. Este é o papel do advogado que pensa no interesse do seu cliente para além das barreiras do modelo litigioso: pensar que o cliente está interessado na geração de valor e de benefícios imediatos.
Como devemos agir?
O advogado assume cada vez mais a posição de conciliador dos interesses dos seus clientes com o mundo que os cerca. Nossos clientes querem ver seus problemas resolvidos, não nos pagar honorários por anos a fio e ver seu processo engolido no caos judiciário; temos, também, que assumir que nosso judiciário é pouco eficiente (para não usar outros adjetivos que talvez me rendessem um processo disciplinar) e não entrega o que vende: resolver conflitos.
Para negociar melhor, o advogado deve entender qual é o negócio que seu cliente, sua dinâmica de mercado. Deve também perceber quais interesses da outra parte convergem com os de seu cliente, para conseguir adicionar valor a ambos. Na negociação cabe ao advogado atuar em parceria com seu cliente para produzir ideias e soluções juridicamente possíveis, não como um mero reprodutor de procedimentos jurídicos.
De um modo geral, essa tônica de harmonização de interesses é que define uma boa negociação, mas há algumas maneiras pragmáticas de melhorar seu potencial de sucesso na negociação de coisas litigiosas:
Respeite o seu adversário: Ficar lembrando a outra parte que você pode executar milhões de reais se a negociação for mal sucedida pode fomentar raiva e, por birra, postergar os resultados do seu cliente.
Raciocine: o possível resultado do processo não como uma ameaça, mas como um incentivo para que o provável perdedor da ação negocie (o que pode estar contra você, se o seu cliente for o devedor)
Trace seu plano de negociação: com base no que as partes querem, o que aceitam ceder e o que não aceitam ceder. Esqueça o objeto do processo, se necessário. O que interessa é sempre os interesses das partes.
Mantenha uma atitude positiva: não é porque a outra parte é seu adversário no processo que precisa ser seu adversário na negociação.
Procure adicionar valor para depois dividi-lo: Comece a negociação olhando para a parte contrária e entendendo principalmente: o que ela tem que pode te interessar e o que ela quer/não quer como resultado. Esse procedimento vai te ajudar a achar pontos de conflito e convergência.
Deixe claro que você está fazendo uma concessão quando julgar ser o momento: Se faltar engajamento da outra parte, tente oferecer algo antes de pedir concessões.
Guilherme Sartori Testa é advogado pós graduado em Direito Imobiliário pela Escola Superior de Advocacia (SP) e especialista em Direito Imobiliário pela GVLaw EDESP – FGV/SP. Sócio do escritório CarvalhoTesta Advogados, é responsável pelo núcleo de Negócios Imobiliários e Agrários[1] SMITH, Adam; Investigações sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. 1776, Livro I, cap. I, p.47
[2] LAX, David A. SEBENIUS James K. The manager as negotiator: bargaining for cooperation and competitive gain. Free Press, 1986. p33.
[3] SALACUSE, Jeswald. The Global Negotiator: Making, Managing and Mending Deals Around the World in the Twenty-First Century. Palgrave Macmillan, Jul 4, 2003. p7.
[4] CABECINHAS, R. (1995). Heurísticas e enviesamentos cognitivos no processo de negociação de conflitos, Cadernos do Noroeste, Vol. 8 (2), 99-119. Universidade do Minho. Centro de Estudos Sociais. Instituto de Estudos de Comunicação e Sociedade. p. 7.
(Fonte: http://goo.gl/FYL6i5)