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Por Rodrigo L.O.R. Meyer da equipe de litígios de CTA_
I – Introdução
O texto do novo Código de Processo Civil recentemente sancionado pela Presidente da República vem sendo considerado por especialistas na área e na técnica processual como um texto pouco ousado, no qual, em muitas situações, perdeu-se a oportunidade de inovar e efetivamente evoluir o processo para sua finalidade maior: Obter a efetiva e justa solução de uma disputa em tempo razoável.
Importante mencionar que a timidez das transformações ocorreu mais em razão das alterações promovidas pelo Congresso – em ambas casas legislativas – do que pelo texto original elaborado pela comissão de juristas responsável pela primeira redação, o qual teve diversos dispositivos inovadores alterados e suprimidos pelo Congresso durante todo o trâmite legislativo.
No entanto, mesmo diante da relativa timidez das alterações, o novo C.P.C. traz inovações interessantes, que exigirão de empresas, empresários, advogados e pessoas envolvidas diretamente na elaboração e desenho dos negócios, novas habilidades e estratégias para a elaboração de negócios e, eventualmente, solução de disputas futuras. E tais alterações e habilidades serão o foco deste artigo.
II – Um Código de Princípios
Muito embora o sistema legal brasileiro não exigisse que os princípios constitucionais fossem expressamente mencionados e repetidos na legislação ordinária (tendo em vista que todo sistema legal deriva da Constituição e seus princípios), o texto do novo C.P.C. teve o cuidado de mencionar expressamente alguns princípios constitucionais. Tal cuidado deve-se prioritariamente à mitigação desses princípios na prática processual, razão pela qual, os primeiros artigos do Novo Código são repetições de princípios já consagrados na Constituição Federal.
Por exemplo, o artigo 1º é expresso em reafirmar a aplicação dos princípios constitucionais no processo civil.[2] O artigo 3º[3] é reprodução do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (e da garantia de acesso a ele), o artigo 4º reproduz o princípio da duração razoável do processo[4] e assim por diante.
No entanto, os princípios constitucionais que mereceram especial atenção da nova lei foram aqueles que vinham sofrendo maior desamparo na prática, o do contraditório e da ampla defesa, os quais se encontram reforçados em diversos artigos ao longo do texto do novo C.P.C.
E a ênfase na aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa modificaram significativamente a maneira como os negócios devem ser planejados para evitar eventuais disputas deles decorrentes, ou, se essas disputas forem inevitáveis, ampliar as chances de um bom desfecho, especialmente pelas novas práticas que serão exigidas dos advogados processualistas, que ganharão importância estratégica na formação dos negócios e não somente quando a disputa estiver instaurada.
III – Fase Pré-Contenciosa
O novo Código Processual inova – positivamente, a nosso ver – na tentativa de aproximar as partes litigantes, estimulando um conjunto de práticas que levam elas a “dialogarem” ao longo do processo, claramente tentando conduzi-las a um desfecho consensual. O sucesso da tentativa da lei, no entanto, dependerá muito da atuação do juiz, que deverá utilizar-se das faculdades previstas na lei para aproximar as partes e conduzi-las à composição, deixando de ser aquela figura que instrui e comanda, de forma distante e, após a instrução, sentencia. Há, portanto, a exigência de uma postura mais próxima do juiz, mas que somente terá efeito se as partes, estimuladas e representadas por seus advogados, também caminharem no sentido da solução consensual.
Assim, o novo C.P.C., no art.334[5] instituiu como fase prévia a uma disputa, se não a obrigatoriedade absoluta, uma “quase obrigatoriedade” da audiência prévia, sendo certo que tal audiência somente não será realizada se todas as partes envolvidas (caso haja mais de um autor ou mais de um réu) manifestarem desinteresse na sua realização. Referido artigo foi recebido com ressalvas pela comunidade jurídica, ante a possibilidade de o réu mal intencionado ganhar tempo, já que suas defesas serão apresentadas 15 dias após a realização da audiência, que, por sua vez, também pode demorar para ser designada e realizada.
No entanto, a realização da audiência, se bem aproveitada, pode trazer benefícios à empresa e ao negócio em si, especialmente no que diz respeito à segurança e à possibilidade provisionar recebimentos e eventuais pagamentos. Isso porque em uma demanda que verse, por exemplo, sobre a obrigação da empresa A pagar à empresa B determinada quantia, na qual a empresa B não possui elementos de defesa, e nem tampouco meios para pagar à vista o débito naquele momento, é possível que, em audiência, as partes negociem um acordo de pagamento parcelado, com termo inicial futuro, o que permitirá que a empresa B provisione os pagamentos que deverá fazer à empresa A, bem como que a empresa A passe a contar com aquele recebimento no futuro.
Evidentemente, o exemplo acima é simplista, e meramente ilustrativo de como a realização da audiência prévia pode ser bem aproveitada. No entanto, a fase de solução consensual poderá acarretar vantagens econômicas para a empresa e para o negócio e exigirá dos advogados, além de conhecer a fundo o negócio em questão, técnicas e estratégias de negociação, a fim de que seu cliente possa celebrar uma composição que seja benéfica ao seu negócio.
IV – Estratégias na Formação do Negócio
O novo Código de Processo Civil – ainda objetivando as soluções amigáveis para as disputas e desestimulando a litigiosidade – tornou o processo mais caro às partes, especialmente por meio da distribuição do ônus da prova, da aplicação de multas e novas despesas processuais que elevam consideravelmente os custos do processo e, por isso, exigirão dos advogados contenciosos uma participação ativa e relevante, não só na fase processual, mas na formação do negócio, a fim de evitar prejuízos futuros caso determinado negócio venha a ser discutido judicialmente.
A principal alteração no que diz respeito à produção da prova, cujo custo pode ser elevado, especialmente no caso de provas periciais complexas, que demandem o trabalho de um ou mais peritos altamente especializados, é a implementação da teoria da carga dinâmica das provas. Tal teoria, de forma muito resumida e simplificada, implica no fato de que terá o ônus de fazer a prova de determinado fato aquele que possuir melhores condições de produzi-la e não aquele que alegou determinado fato, como no atual sistema.
Assim, uma boa atuação do advogado na fase contratual do negócio pode gerar economia de tempo e de valores quando da realização da prova em Juízo, como, por exemplo, se as partes, no contrato, já elegem um perito de sua confiança se comprometendo a dividir as despesas da prova pericial, ou, ainda, quando as partes já discriminam no contrato quais fatos deverão ser provados por cada parte em caso de judicialização da solução do contrato.
Ainda, deverá o advogado, antes do ajuizamento da ação, traçar uma estratégia para o processo que permita a obtenção de provas antes do ajuizamento, para apresenta-las quando der início ao processo, inclusive, e se entender pertinente, lançando mão de um processo cautelar prévio de produção de prova[6], a fim de apurar (i) se há, de fato, determinado direito a ser exigido judicialmente; bem como (ii) a extensão do direito e do pedido, o que permitirá avaliar se o direito e valores envolvidos justificariam o ajuizamento de determinada ação, evitando-se, assim, ações judiciais cujos supostos direitos e benefícios almejados são incertos ou irrisórios.
No que diz respeito à elevação de custas e despesas processuais, o novo Código traz a figura de multas novas e mais elevadas em caso de má-fé processual, como, por exemplo, as previstas nos parágrafos 10º e 11º do Art.702[7]. A multa processual pode, inclusive, ser convertida para o Poder Público, quando a conduta da parte atentar contra a dignidade da Justiça, por exemplo, entra tantas outras penalidades em caso de manejo de recursos com caráter protelatório.[8]
Traz, ainda, em evidente tentativa de evitar a explosão de demandas e recursos desnecessários, a previsão do pagamento de honorários advocatícios para a parte vencedora em cada etapa processual, ou seja, serão devidos honorários após o trâmite em primeira instância e, caso manejado recurso não provido, novos honorários serão devidos e, da mesma forma, na fase de cumprimento de sentença.
Tais previsões legais pretendem que as decisões judiciais sejam acatadas e cumpridas espontaneamente pelas partes, desestimulando recursos e protelamento do trâmite da ação. E deste fato decorrem duas consequências importantes. A primeira, um maior zelo dos julgadores na análise de cada caso, já que as consequências econômicas de erros judiciais prejudicarão imediatamente as partes. A segunda, uma análise mais criteriosa, pelos advogados, sobre a conveniência e chance de êxito no manejo de eventual recurso.
Portanto, a elaboração do negócio e a produção prévia de provas, que farão parte de uma estratégia processual pré-estabelecida pelo advogado, deverão não só elevar as chances de êxito na demanda, como já acontece atualmente, como, ainda, garantir uma economia financeira e de tempo nos processos, tendo em vista que serão reduzidos, além do tempo empenhado para produção da prova no processo, os valores desembolsados com o pagamento de despesas com recursos e multas processuais.
V – Conclusão
Conforme demonstrado, embora consideradas tímidas e, em alguns casos, até ineficientes, algumas alterações impostas pelo novo Código de Processo Civil irão impactar significativamente a forma com a qual os negócios devem ser concebidos quando da vigência do novo texto legal, a fim de evitar grandes prejuízos decorrentes das disputas judiciais.
Há grandes incertezas sobre como serão aplicadas pelos Juízos e Tribunais essas novas disposições, no entanto, certamente estarão em vantagem processual as partes representadas por advogados que saibam trabalhar essas novas disposições, especialmente no que diz respeito às habilidades de negociação e de formatação do negócio, ainda no momento da formação do contrato.
[2] Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
[3] Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
[4] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
[5] Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
[6] Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em queL…)
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
[7] Art. 702. Independentemente de prévia segurança do juízo, o réu poderá opor, nos próprios autos, no prazo previsto no art. 701, embargos à ação monitória.(…)
§ 10. O juiz condenará o autor de ação monitória proposta indevidamente e de má-fé ao pagamento, em favor do réu, de multa de até dez por cento sobre o valor da causa.
§ 11. O juiz condenará o réu que de má-fé opuser embargos à ação monitória ao pagamento de multa de até dez por cento sobre o valor atribuído à causa, em favor do autor.
[8] Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo(…)
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.