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Na mesma linha do que recentemente noticiamos aqui, o Superior Tribunal de Justiça vem dando interpretação cada vez mais ampla do conceito de bem de família, sob o fundamento de que “a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a extensão do bem de família legal segue o movimento da despatrimonialização do Direito Civil, em observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, buscando sempre verificar a finalidade verdadeiramente dada ao imóvel”.
Nesse sentido, conforme acórdão do REsp 1.851.893/MG recentemente julgado pela Terceira Turma, foi reconhecida a impenhorabilidade de bem imóvel cedido gratuitamente aos sogros da executada para moradia, mesmo que tenha restado provado nos autos que a executada, além de emprestar bem imóvel aos sogros, paga aluguel de moradia para si e seu núcleo familiar mais próximo.
Concluiu o acórdão que “O imóvel cedido aos sogros da proprietária, que, por sua vez, reside de aluguel em outro imóvel, não pode ser penhorado por se tratar de bem de família.”.
Como fundamentação, o acórdão em questão ponderou, primeiramente, que a situação sob análise não está prevista no rol do art. 3º da Lei 8.009/1990, que enumera as exceções à impenhorabilidade do bem de família. Ainda, o acórdão traz precedentes anteriores do próprio STJ nos quais constou que “o fato de o único imóvel não servir de residência da entidade familiar não descaracteriza, por si só, o instituto do bem família”.
Por fim, concluiu que o imóvel cedido em comodato pode ser bem de família em razão da ampliação do conceito de família, concluindo que “não apenas o imóvel habitado pela família nuclear é passível de proteção como bem família, mas também aquele em que reside a família extensa, notadamente em virtude do princípio da solidariedade social e familiar, que impõe um cuidado mútuo entre os seus integrantes”.
Conforme mencionado no próprio acórdão, as decisões acerca da caracterização de bem de família para efeitos de declaração de impenhorabilidade vem privilegiando o entendimento segundo o qual “não apenas o imóvel habitado pela família nuclear é passível de proteção como bem família, mas também aquele em que reside a família extensa, notadamente em virtude do princípio da solidariedade social e familiar, que impõe um cuidado mútuo entre os seus integrantes”.
Contudo, neste caso específico, entendemos que uma questão muito importante deixou de ser abordada, qual seja, a disponibilidade do patrimônio de quem figura como executado em processos judiciais.
Neste caso específico, não foi analisado o fato de que o comodato do bem é um ato de disposição patrimonial do executado, uma vez que cede o usufruto, que tem valor patrimonial, de forma gratuita, mesmo respondendo à execução judicial.
Ainda, não se considerou também que a executada possui recursos para locar outro imóvel para moradia de seu núcleo familiar mais próximo, cedendo seu imóvel aos sogros de forma gratuita. Tais recursos direcionados ao pagamento dos aluguéis poderiam ser direcionados para o pagamento, ainda que parcial, da dívida.
Em outras palavras, uma vez que aos executados é vedado atos de disposição patrimonial no curso da execução, a executada não poderia dispor de seu patrimônio, cedendo gratuitamente seu imóvel e pagar pelo aluguel de outro, sob pena de caracterizar fraude a execução.
E tal entendimento, de que há fraude à execução quando executado dispõe de patrimônio no curso da execução, já é consagrado na jurisprudência do próprio STJ.
Assim, muito embora o entendimento do STJ sobre a prevalência dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social sobre o patrimonialismo do direito civil, o caso concreto não foi analisado à luz da questão da disposição patrimonial, pela executada, no curso da execução, o que poderia caracterizar fraude à execução.