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Até agosto de 2021, a Terceira e a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça divergiam a respeito da caracterização de dano moral em decorrência de alimento impróprio para o consumo.
Para a Terceira Turma, o dano moral se caracterizava com a mera constatação do corpo estranho contido no produto alimentício, ainda que não chegasse a ser ingerido. Por outro lado, para a Quarta Turma, apenas se houvesse a ingestão do alimento impróprio é que o dano moral estaria caracterizado.
Contudo, esse entendimento foi unificado pelo julgamento do Recurso Especial n.º 1.899.304.
No julgamento do recurso pela Segunda Seção, a Min. Relatora Nancy Andrighi ponderou que a segurança alimentar se divide em duas concepções: a primeira está consagrada no art. 2° da Lei n.° 11.346/2006, e se refere ao acesso regular e permanente aos alimentos, como condição de sobrevivência do indivíduo, que deve ser observada para execução de políticas públicas que visem o combate à fome; já sob a ótica da segunda concepção, consagrada no art. 3° da mesma lei, a segurança alimentar é relativa à qualidade dos alimentos, o que envolve a regulação e informação acerca do potencial nutritivo do alimento e, em especial, o controle de riscos para a saúde das pessoas.
Esta segunda concepção é justamente a que foi levada em consideração no voto da Min. Relatora, com intuito de se averiguar a responsabilidade civil consumerista pela constatação de vício de qualidade em alimento industrializado.
Dessa forma, a segurança alimentar foi analisada do ponto de vista da qualidade do produto, ressaltando que não é qualquer defeito de qualidade que expõe o consumidor a uma insegurança alimentar desarrazoada. Até substâncias extremamente prejudiciais ao organismo, como o arsênio e o mercúrio (Resolução RDC nº 42, de 29/08/2013), podem não caracterizar vício do produto e dano indenizável.
Isso ocorre porque as agências reguladoras definem um limite máximo de componentes que podem ser tolerados em determinadas categorias de alimentos. Assim, a caracterização do dano está atrelada ao consumidor ser exposto a um risco em grau elevado, provocando insegurança alimentar desarrazoada.
Em se tratando de alimentos que contenham corpos estranhos, a Relatora entendeu que a mera constatação, ainda que não haja ingestão do alimento ou do corpo estranho, já expõe o consumidor a elevado grau de risco, caracterizando quebra de segurança alimentar e o dever de indenizar os danos morais. O voto da Min. Relatora foi acompanhado pela maioria da Seção, vencendo os votos dos Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira.
Desta forma, o entendimento atual da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça é de que não é necessária a efetiva ingestão de alimento impróprio para se caracterizar danos morais indenizáveis, bastando a mera constatação do corpo estranho pelo consumidor, pois de acordo com o entendimento da Seção, tal fato expõe o consumidor a risco decorrente de falha de segurança alimentar.