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A partir da Constituição Federal de 1988, o conceito de família sofreu alteração perante a sociedade e o direito brasileiro. Dentre tais mudanças, a paternidade socioafetiva ganhou destaque por alterar drasticamente deveres de parentesco, como alimentares, afetivos e sucessórios.
Para Paulo Lobo, professor emérito da Universidade Federal de Alagoas e respeitado doutrinador do Direito de Família, “toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não biológica” (LOBO. Paulo. Direito Civil: Famílias: v. 5. Editora Saraiva, 2021, p. 13).
Em outras palavras, o elemento socioafetivo está presente em todas as famílias, mesmo aquelas unidas por laços biológicos. Contudo, embora todas as famílias sejam socioafetivas, para fins de definição do Direito, a paternidade socioafetiva é definida pela ausência de laços biológicos, remanescendo apenas laços socioafetivos entre pai e filho.
A paternidade socioafetiva pressupõe três requisitos objetivos: (i) a utilização, pelo pretenso filho, do nome do pretenso pai (nomen); (ii) o tratamento de filho pelo pretenso pai (tratactus); (iii) reputação ou notoriedade da filiação perante a sociedade (fama) (LUZ, Valdemar P. da Manual de direito de família. Barueri, SP. 2009, p. 250).
Esses requisitos são assim definidos por Valdemar Luz e pela maioria doutrinadores do Direito de Família, com eventual inclusão de outros requisitos complementares.
Todavia, apesar da doutrina estabelecer requisitos objetivos para caracterização da filiação e paternidade socioafetiva, nossos tribunais constantemente não observam tais requisitos para constituir ou desconstituir laços de parentesco socioafetivos.
Para exemplificar, mencionamos o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial n.º 1.741.849/SP, julgado em 20/10/2021, que desconstituiu a paternidade em razão do distanciamento afetivo entre pais e filhas, após resultado negativo de exame de DNA, advindo depois de mais de 10 anos de convivência, sem que fosse realizada a análise de requisitos da filiação socioafetiva, mas tão somente análise da existência de laços afetivos.
Fato é que a afetividade é um sinônimo de carinho, afeto e cuidado, e não possui requisitos objetivos como a socioafetividade, nem a mesma extensão de efeitos legais de parentesco perante a sociedade.
Inclusive, segundo Ricardo Calderón, a afetividade se refere à expressão do afeto intersubjetivo, ou seja, sem considerar a relação social envolvida, enquanto a socioafetividade seria a expressão da afetividade no plano social (CALDERÓN. Ricardo. Princípio da afetividade no direito de família / Ricardo. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 129.).
Portanto, o entendimento majoritário dos nossos tribunais, que interpretam a socioafetividade como sinônimo de afetividade, não está alinhado com a doutrina sobre o tema, o que pode acarretar insegurança jurídica, diante da ausência de padronização terminológica e da divergência de conceitos.