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O debate travado nos autos do Agravo de Instrumento n.º 0013181-73.2017.8.19.0000 (inteiro teor aqui), julgado pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, traz em seu bojo alguns conceitos importantes no que diz respeito à Propriedade Industrial, notadamente a questão das marcas figurativas, ou até mesmo pouco convencionais, a concorrência desleal, bem como ao Direito do Consumidor e ao Processo Civil.
De forma muito resumida, no recurso em questão analisava-se a possibilidade de uma medida antecipatória que objetivasse impedir que determinada fabricante de roupas (as Agravantes Damyller Comércio de Confecções Ltda. e Damyller Têxtil Ltda.) mantivesse em suas peças de roupas, jeans, símbolos distintivos próprios e protegidos de outra fabricante, a Levi’s, cuja notoriedade e boa fama no mercado é muito superior. Isso porque a decisão agravada determinou, entre outras providências, que as Agravantes se abstivessem de produzir roupas com costuras arqueadas e etiqueta vermelha, que foram registradas no INPI como marcas (ou símbolos distintivos).
Ou seja, verifica-se que a utilização de determinada forma na costura de um produto e a própria etiqueta formam um conjunto de símbolos distintivos que merecem proteção marcária e, por isso, tem o condão de afastar reproduções indevidas. Reconhece, então, a possibilidade de registro de uma marca figurativa não tão comum, já que não se trata de um logotipo, mas sim de verdadeiras características intrínsecas aos produtos (a forma arqueada da costura e a etiqueta vermelha) que possuem a força de um símbolo, apto a diferenciar produtos semelhantes .
Nesse ponto, é importante mencionar que, de fato, a costura arqueada e a etiqueta vermelha se enquadram na definição de marca prevista no manual de marcas do INPI, na medida em que constituem “um sinal distintivo cujas funções principais são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa”. Inclusive, conforme se extrai da decisão, esses símbolos estão registrados no INPI e, por isso, gozam de proteção legal, razão pela qual a decisão afirmou expressamente que “considerando o alto renome da marca figurativa ‘costura arqueada’ e ‘etiqueta vermelha da autora”, ou seja, considera não só a existência da proteção marcária desses símbolos, como seu alto renome, e também sua notoriedade no mercado.
Prossegue a decisão, que menciona e reafirma a decisão de primeiro grau, reconhecendo que a utilização indevida dos símbolos próprios de terceiros pode levar a uma situação de concorrência desleal, por aproveitamento parasitário e até diluição da marca Levi’s, uma vez que as Agravantes reproduziam em suas peças símbolos distintivos da Levi’s “senão com o nítido intuito de se aproveitarem da fama, notoriedade e reputação de marca legalmente protegida pelo registro”. Portanto, a decisão reconhece que a utilização de símbolos legalmente protegidos tinha a intenção de usufruir indevidamente do prestígio e boa reputação de marca mais conhecida pela qualidade (concorrência parasitária) o que poderia levar, por outro lado, ao abalo da reputação e os negócios da autora, ou seja, a uma diminuição da boa fama da Levi’s, admitindo-se que qualidade dos produtos das fabricantes Damyller Comércio de Confecções Ltda. e Damyller Têxtil Ltda. não são condizentes com as da Levi’s , o que dá uma noção da diluição da marca.
Além da concorrência desleal, a decisão faz expressa menção à proteção do consumidor, que poderia ser induzido em erro, confundindo a marca de jeans da Recorrente com a Levi’s. Com efeito, e embora a Lei de Propriedade Industrial não tenha como objetivo primário a proteção do consumidor, é evidente o reflexo de práticas comerciais desleais na esfera de direitos dos consumidores. Dessa forma, acertadamente, a nosso ver, a decisão também se fundamenta na Política Nacional de Relações de Consumo e no Código de Defesa do Consumidor (art.4º, VI), a qual reconhece que práticas de concorrência desleal, como a concorrência parasitária, podem causar prejuízo ao consumidor, ao adquirir produto pensando ser de qualidade superior, no caso um jeans Levi’s.
Ou seja, a decisão reconhece que o uso indevido dos sinais distintivos registrados pela Levi’s (costura arqueada e etiqueta vermelha) teriam o condão de, por um lado, desviar uma clientela menos atenta, por outro, diminuir o prestígio da marca Levi’s, de qualidade amplamente conhecida, e, ainda, lesar o consumidor, que poderia comprar determinado jeans pensando ser Levi’s, e dele esperando as mesmas características e qualidade.
Por fim, no que diz respeito ao Processo Civil, vale a menção à utilização de tutelas provisórias, para o efeito de fazer cessar danos aos direitos de Propriedade Industrial, tais como o direito à fruição exclusiva de marcas registradas e de concorrência leal- muitas vezes intangíveis e, por isso, impossível ou dificilmente indenizáveis.
A possibilidade de coibir práticas comerciais desleais por meio de tutelas provisórias, em si, não chega a ser novidade. No entanto, verifica-se que, no caso concreto sob análise, a medida foi mais do que necessária, e muito bem aplicada. Isso porque há menção de que, antes do ajuizamento da demanda, houve uma série de tentativas extrajudiciais de fazer cessar os prejuízos, as quais não foram suficientes por sucessivas negativas das fabricantes Damyller Comércio de Confecções Ltda. e Damyller Têxtil Ltda., que insistiram na reprodução e comercialização dos jeans reproduzindo símbolos registrados ela Levi’s. Dessa forma, dada a intensidade das práticas desleais, e de sua reiteração, foram estabelecidas medidas diversas (tais como a proibição de fabricação e estoque de peças de roupas que utilizem dos símbolos protegidos, a declaração da quantidade de peças em estoque e retirada dos produtos do mercado), e ao descumprimento foram cominadas multas pecuniárias vultosas. Houve, portanto e em caráter liminar, uma dose de rigor razoável na coibição judicial de práticas comerciais desleais.
Para saber mais sobre concorrência desleal, propriedade intelectual e eventuais medidas processuais relativas, contatar o sócio responsável: Rodrigo Meyer (rodrigo.meyer@localhost).
[1] acesso em 30/06/2017 – http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004192CFA699569F6253FD2CF71B401B187C50636504D11&USER