Newsletter CKM_
Cadastre-se para receber nossas publicações por e-mail.
Acompanhe também no
Comentário: Rodrigo Lacerda O.R. Meyer da equipe de Litígios e Contratos CTA_
“ A entrevista concedida pelo Jurista Modesto Carvalhosa à Folha de São Paulo nesta semana reúne vários temas interessantes e atuais, especialmente sobre a recentíssima Lei Anticorrupção, aprovada e já em vigor, os institutos nela previstos, tais como os acordos de leniência, e sua aplicação – ou sua deturpação – pelo sistema político brasileiro. Na entrevista fica nítido, pelas explicações do Jurista, como a aplicação política, e não jurídica ou judicial da Lei Anticorrupção, coloca em risco o combate à corrupção – e o próprio objetivo da Lei, portanto – e a saúde das empresas envolvidas nos atos de corrupção envolvidos na operação Lava Jato.
Isso porque o efetivo combate à corrupção que a Lei criou prevê, para tal finalidade, a punição das pessoas e das empresas envolvidas em ato de corrupção, e revela que as tentativas do Poder Executivo, utilizando-se, para tanto, da chamada advocacia administrativa – por intermédio da extrapolação das atividades institucionais do Ministro da Justiça e órgãos fiscalizatórias do Executivo Federal – enfraquecem o combate à corrupção, especialmente ao deixar de penalizar as empresas (que, em última análise, foram uma das beneficiadas pelos atos de corrupção), fazendo de seus executivos verdadeiros “bois de piranha”, que assumirão a culpa e responsabilização por todas as ilegalidades.
Ainda, adverte o entrevistado que a associação de empresas para, conjuntamente, participarem de acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção dará margens à ilegalidades e nulidades, advertindo, por fim, que a má aplicação do instituto não só não representará qualquer avanço no campo da legalidade e da moralidade – objetivos da Lei Anticorrupção -, como, ainda, poderá causar danos muito maiores às empresas envolvidas, caso estas venham a ser punidas por órgãos estrangeiros, cujas sanções são mais efetivas, e não estão sujeitas a manobras políticas, com o que foi definido pelo Jurista como verdadeiro “suicídio” das empresas.
Resumidamente, o entendimento do Jurista Modesto Carvalhosa sobre os reflexos da Operação Lava Jato foi no sentido de que a aplicação da Lei Anticorrupção “à moda brasileira”, ou seja, a aplicação deturpada da Lei e dos institutos nela previstos, não garantirá o objetivo legal maior, a moralização das práticas empresarias no Brasil e, ainda, poderá sujeitar as empresas brasileiras às sanções internacionais e suas consequências no mercado externo, que acarretarão consequências econômicas muito mais graves às empresas do que a adequada aplicação da Lei Anticorrupção e do acordo de leniência nela previsto, com o que referidas empresas poderão, inclusive, verem-se aniquiladas em razão das punições internacionais.”
Notícia: Dilma prevarica, e governo articula anistia a empresas, diz advogado
O governo articula uma “anistia ampla, geral e irrestrita” para as empreiteiras na Operação Lava Jato, que investiga desvios de recursos em contratos da Petrobras. O diagnóstico é de Modesto Carvalhosa, 82, advogado especialista em direito econômico e mercado de capitais, que há mais de 20 anos estuda a corrupção sistêmica na administração pública brasileira.
Ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção, a presidente Dilma Rousseff comete crime de responsabilidade, com o propósito de proteger as empreiteiras, defende Carvalhosa. “Ela infringiu frontalmente o Estado de Direito ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção porque quer proteger as empreiteiras”, afirma.
Com a falta de punição, prevê que as empreiteiras continuarão perdendo ativos, sofrerão multas no exterior e deverão ser declaradas inidôneas pelo Banco Mundial.
Folha – Como inibir a corrupção das empreiteiras?
Modesto Carvalhosa – Com a implantação da “performance bond”. É um seguro que garante a execução da obra no preço justo, no prazo e na qualidade contratados. Elimina a interlocução entre as empreiteiras e o governo.
Quem determinaria essa exigência na Petrobras?
O regulamento da Petrobras já prevê essa possibilidade, não há necessidade de mudar a legislação. Isso poderia ter sido feito há muito tempo, ela já faz essa exigência para algumas fornecedoras. Mas não faz com as empreiteiras que corrompem.
O seguro de performance impediria os aditivos que perpetuam os superfaturamentos?
Impediria. Os empreiteiros não entregam a obra nunca, vão “mamando”. Os recursos públicos “saem pelo ladrão”.
Por que a Lei Anticorrupção não foi aplicada na Lava Jato?
Porque a presidente da República [Dilma Rousseff] já declarou que não vai processar as empresas, só as pessoas. Cabe ao Executivo aplicar a Lei Anticorrupção.
Ela está prevaricando?
Está incidindo em crime de responsabilidade no viés de prevaricação. Ela infringiu frontalmente o Estado de Direito ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção porque quer proteger as empreiteiras.
Quais são as alternativas e as consequências?
A Lei Anticorrupção tem o lado punitivo, mas tem o lado que pode beneficiar as empresas. Se fossem processadas e condenadas a pagar uma multa, estariam livres de outras punições. Pagariam a multa e poderiam voltar a ter crédito. Como bancos que pagaram multas em vários países e continuam operando.
Mesmo com altos executivos presos, qual a capacidade de pressão das empreiteiras?
Pelo subsídio que deram formal e informalmente para os políticos na eleição presidencial –eleitos ou não– têm o poder ilegítimo de exigir, agora, a recíproca para se livrarem da punição.
E como as empreiteiras sobrevivem economicamente?
Na medida em que não são processadas pela Lei Anticorrupção, estão se suicidando, ficam sangrando. Algumas estão vendendo ativos, outras pedindo recuperação judicial, despedindo empregados. Os advogados precisariam instruir melhor, ficam forçando o ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] a impedir a aplicação da Lei Anticorrupção…
Como o senhor vê encontros de advogados com o ministro da Justiça fora da agenda?
O ministro da Justiça tem a obrigação e o dever de receber os advogados. O que ficou configurado nessas visitas secretas é a advocacia administrativa. Ou seja, aproveitar o poder dele para influenciar membros do governo em benefício de terceiros. Não é o exercício da advocacia. É o exercício da advocacia administrativa mesmo.
Qual é o poder do ministro da Justiça?
Ele é um veículo. Trata de assuntos da Polícia Federal, da parte jurídica com a Presidência República, com a Advocacia-Geral da União e com o Tribunal de Contas da União. Há uma tentativa de influenciar, para não se instaurar o processo. É para fazer um acordo de leniência fora da Lei Anticorrupção.
Que órgãos se alinham nessa articulação?
O TCU emitiu o parecer de número 87, em fevereiro, avocando-se o direito de promover acordo de leniência, junto com a AGU, fora da Lei Anticorrupção. O movimento da advocacia administrativa, envolvendo ministro da Justiça, AGU, Controladoria-Geral da União e TCU, é no sentido de criar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Não querem aplicar a Lei Anticorrupção.
Qual é a solução que querem?
Fazer um acordo de leniência para todas as empresas do consórcio fora da Lei Anticorrupção. Se houver esse tipo de anistia, o Ministério Público vai pintar e bordar. Vai entrar no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo Tribunal Federal, para anular. É fora da lei, porque abrange todo mundo. Segundo o artigo 16, o acordo de leniência é só para o primeiro delator.
Como a AGU está atuando?
A AGU está agindo no sentido de se alinhar para fazer o acordo de leniência com todas as empreiteiras e fornecedores. Esse movimento de anistia abrange a CPI da Petrobras, que é mais um ato patético do Congresso. O relator também está na linha de anistiar as empreiteiras. É um movimento geral no PT, no governo. Todos estão a serviço da vontade da presidente.
Como o sr. vê a atuação do Procurador-geral da República, Rodrigo Janot?
Muito boa. Ele tem visão profunda da questão. Foi aos EUA, para falar com o Banco Mundial, que é quem vai declarar a inidoneidade das empreiteiras, ao Departamento de Justiça, à SEC [Securities and Exchange Comission, corresponde à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil], ao FBI. É absolutamente contrário ao movimento de anistia. Ele tem a dimensão internacional do problema. Como cidadão, dou nota dez.
Como o sr. avalia a informação de que ele pediria a abertura de inquéritos contra políticos, em vez de oferecer denúncia?
É uma prudência processual boa, para evitar nulidades e instaurar o devido processo legal, com a produção e a contestação das provas.
Na mesma linha do juiz federal Sergio Moro, que procura evitar nulidades…
O juiz, apesar de jovem, também é um homem extremamente prudente.
Quais são as medidas que poderão vir do exterior?
As medidas que vêm de fora são arrasadoras, as empreiteiras vão receber pesadas multas. Após condenadas, terão os bens e os créditos sequestrados e impedidas de obter financiamento no exterior. A resistência é suicida. Elas vão ser declaradas inidôneas pelo Banco Mundial. Elas não têm a visão da absoluta imprudência que estão cometendo, ao evitarem ser processadas no Brasil pela Lei Anticorrupção, que é uma de efeitos extraterritoriais.
Como uma punição interna pode evitar a sanção externa?
Não se pode condenar duas vezes pelo mesmo crime. Se a empresa é condenada aqui pela Lei Anticorrupção, ela não deve ter a mesma punição lá fora. Os tratados que o Brasil assinou são reproduzidos na Lei Anticorrupção.
O que a demora pode fazer?
Existe um mercado internacional de compra de ativos de empresas corruptas. Já estão comprando ativos de empreiteiras brasileiras. E, assim, elas vão sangrando, porque não querem ficar purgadas pela Lei Anticorrupção. Vão todas para o beleléu.
*
RAIO-X
IDADE 82 anos
TRAJETÓRIA Advogado, doutor e livre-docente em direito pela USP, foi presidente do tribunal de ética da OAB-SP
OBRAS Autor de “Comentários à Lei de Sociedades Anônimas”, “O Livro Negro da USP” e “O Livro Negro da Corrupção
(Fonte: http://goo.gl/cLSXDa)